Lei de Improbidade não considera estupro em hospital como violação. Casos de anestesista que estuprou paciente e de ex-presidente da Caixa, acusado de assédio, não podem mais ser processados na esfera cível
Ano passado, o senador Weverton Rocha (PDT-MA) ficou responsável por acelerar a votação da Nova Lei da Improbidade Administrativa, apelidada pela imprensa e críticos ao novo texto como lei da impunidade.
Um dos principais pontos do novo texto foi excluir da possibilidade de enquadramento na Lei de Improbidade os danos aos cofres públicos causados de forma não intencional, o que na prática pode livrar agentes públicos de punições mais severas.
Essa não foi a única mudança significativa, porém. Uma das consequências da lei relatada por Weverton Rocha foi a ausência de punição, na esfera cível, para os casos de assédio sexual e estupro.
Dois casos vieram à tona nos últimos dias, o do ex-presidente da Caixa Econômica, Pedro Guimarães, e do anestesista Giovanni Quintella Bezerra. O primeiro foi acusado de assédio sexual e moral e o segundo foi supostamente flagrado estuprando uma paciente prester a ter um filho.
Com a nova legislação, os dois não podem mais ser processados por improbidade administrativa, condenação que, dentre outras sanções, impede a ocupação de cargos públicos e suspende direitos políticos.
A Promotora do MP-SP (Ministério Público de São Paulo), Beatriz Lopes de Oliveira, afirmou para a Agência O Globo, que o novo texto é um retrocesso na proteção a vítimas de assédio sexual. O alcance da “Lei da Impunidade” pode ser ainda maior, em agosto, o STF vai julgar a retroatividade na aplicação da nova lei. “O que mais me deixa chocada é que esse sujeito (anestesista acusado de estupro) pode não perder o cargo. A lei não está protegendo de forma suficiente a administração”, afirma a promotora. Abaixo confira a entrevista, feita pelo O Globo, com a Promotora Beatriz Lopes de Oliveira.
Qual foi a principal modificação da lei, para esse tipo de caso?
A retirada do inciso 1 do artigo 11 da lei. Antes da modificação, era considerada figura típica ímproba “praticar ato visando fim proibido em lei ou regulamento ou diverso daquele previsto, na regra de competência”, o que dava margem para processos por desvio de finalidade. Era uma hipótese aberta, mas abrangia várias situações concretas, por exemplo o assédio sexual, o assédio moral, situações de perseguição. Sem esse artigo, a lei nova tira a possibilidade de punir isso na esfera cível. Claro que a lei, que é de 1992, precisava ser reformada, mas no final a modificação acabou suprimindo algumas hipóteses de atos ilícitos que eram super relevantes quando pensamos em moralidade.
Mas a pessoa continua sendo processada criminalmente?
Quando pratica ato ilícito, a pessoa pode ser responsabilizada em diversas esferas, inclusive criminalmente. Ou até, nesses casos, responder internamente. Mas a lei de improbidade traz o âmbito cível de punição. Hoje a gente se vê engessado na punição desse tipo de conduta. O que mais me deixa chocada é que esse sujeito pode não perder o cargo. A lei não está protegendo de forma suficiente a administração.
A condenação criminal já não seria suficiente? Giovanni Bezerra e Pedro Guimarães continuam podendo ser impedidos de ocupar cargo e de ter seus direitos políticos suspensos?
Podem ter essas sanções sim, com condenação criminal. Mas só com condenação definitiva, agora. Mas a natureza das sanções é diferente, a Constituição estabelece que as esferas são independentes, e que o ato ilícito seja considerado em todas as esferas. Nosso ordenamento jurídico prevê instâncias diferentes na responsabilização. Muitas vezes há situações em que de repente não há condenação no âmbito criminal por falta de provas, mas que seria suficiente para condenação civil, dando um exemplo, ou que o processo criminal é anulado. A corrupção passiva continua sendo punida no âmbito criminal e cível, por que para o estupro basta só o criminal? Então o argumento de que já tem o criminal e isso seria suficiente não é válido, se não nem precisaria da Lei de Improbidade e só o Código Penal resolveria tudo.
Os defensores da modificação da lei dizem que antes o texto era muito subjetivo
A lei não tem como abarcar todas hipóteses no texto, é preciso ter senso crítico, e análise do caso para dizer se constitui desvio. Se a preocupação era ser mais objetivo, por que suprimir o inciso 1 do artigo 11, que trazia a possibilidade de punir servidor que pratica ato diverso daquele previsto? Falando de forma concreta, o anestesista deveria prestar serviço médico ao que foi contratado e não estuprar a paciente. Ele era perfeitamente enquadrável nessa situação. Só que hoje não tem mais essa hipótese. As críticas sobre insegurança jurídica não justificam supressão de hipótese tão importante.
De A Carta Política com informações da Agência O Globo
One thought on “Lei relatada por Weverton não considera estupro em hospital como violação”