“Não se deve menosprezar todo o show de horrores”, diz Mylla Sampaio sobre vídeo ministerial

A reunião divulgada pelo Supremo Tribunal Federal foi o assunto da semana e também tema do novo artigo da jurista Mylla Sampaio para A Carta Política.

“Das quase duas horas do absurdo vídeo da reunião ministerial que Sérgio Moro utiliza como prova das acusações de que Jair Bolsonaro interfere na Polícia Federal, este é o único trecho que interessa para o caso, mas não se deve menosprezar todo o show de horrores protagonizado pelos delirantes e ineptos ministros que ocupam a Esplanada dos Ministérios em Brasília e pelo próprio Presidente.”, diz Mylla em trecho do artigo. Confira a seguir.

La grande famiglia

Mylla Sampaio
Mestre em Direito pela
Universidade Federal do Maranhão

“Não vou esperar f**** minha família toda de sacanagem e amigo meu porque eu não posso trocar alguém da segurança. Vai trocar. E se não puder trocar, troca o ministro”. Das quase duas horas do absurdo vídeo da reunião ministerial que Sérgio Moro utiliza como prova das acusações de que Jair Bolsonaro interfere na Polícia Federal, este é o único trecho que interessa para o caso, mas não se deve menosprezar todo o show de horrores protagonizado pelos delirantes e ineptos ministros que ocupam a Esplanada dos Ministérios em Brasília e pelo próprio Presidente, embora já exista uma tolerância muito grande com a vulgaridade da cúpula da administração pública federal desde que se tornou normal o rebaixamento dos padrões de comportamento que regem a vida pública.

No final das contas, na reunião agiram apenas como sempre demonstraram ser e, na era da mediocridade, há quem se orgulhe de ostentar a própria ignorância. Inclusive, as manifestações de Abraham Weintraub durante o encontro foram classificadas pelo Ministro Celso de Mello, responsável pela decisão que publicizou o vídeo, como demonstração evidente de destacado grau de incivilidade e inaceitável grosseria. O irônico é que se trata do Ministro da… Educação. Os limites do tolerável foram expandidos de maneira repulsiva.

E não é curioso que tamanha imundície tenha pretensões de higienizar o Brasil de “tudo isso que está aí”?  De tempos em tempos, a moralização se torna pauta política no país e, de tempos em tempos também, descobre-se que os arautos da moralidade são idênticos ou até piores que seus antecessores. Sobre quais fatos Jair Bolsonaro pretende proteger sua família? Em “Como as democracias morrem”, Levitsky e Ziblatt tratam sobre o que seria o princípio de uma recessão democrática na América, que consiste no fim de um processo de ampliação da democracia ao redor do mundo através da dissolução gradual de duas regras que possibilitaram o funcionamento do regime democrático: a tolerância mútua e a reserva institucional (no caso em análise, a necessidade de proteger a Polícia Federal do uso indevido da instituição para evitar instabilidade democrática).

Em Troia, a falta de controle político também era um problema sério. Os troianos travaram uma guerra inútil pela esposa estrangeira (que desprezavam) de Páris, ovelha negra da família de Príamo. E, pior!, a mulher foi obtida,  mediante uma grave quebra de hospitalidade (que é a pedra fundamental do código moral homérico), da parte de Páris – e há historiadores que sustentam ter sido Helena raptada e não fugido por amor. Fato é que a incapacidade de Príamo e Heitor para livrar o Estado de Troia de uma guerra injusta, que, mesmo ganha, não traria nenhum benefício concreto aos troianos, indicava uma falta de habilidade fundamental para o exercício do poder público.

O maior problema da administração política de Troia era que Páris era irmão de Heitor e filho de Príamo. A lealdade à família prevaleceu sobre o dever público, mesmo que o familiar ao qual se deve lealdade não a mereça. Como acontece com Agamêmnon e Criseide, o conflito entre Príamo e Heitor é grave, pois eles têm interesses familiares em uma questão de cunho público. O fato de condenarem todo o Estado por causa de Páris demonstra a ausência de uma liderança responsável no sentido moderno. 

Se é verdade que “aquele que não conhece o passado está fadado a repeti-lo”, é importante que a história de Troia sirva de lição aos brasileiros nesses tempos estranhos, onde problemas familiares aliados à inabilidade política podem arruinar institucional e permanentemente o país.

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